sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


O MOTIM DOS COLONOS



"Em meado do mês de março de 1856, chegara ao auge a exaltação dos colonos alemães católicos da povoação de Petrópolis.

Sem embargo de se tratar de homem probo que, havia cerca de dois anos, realizava excelente administração, o Tenente Coronel Alexandre Manuel Albino de Carvalho, diretor da colônia, se indispusera com o padre dr. Teodoro Wiedmann, capelão católico. Este, em revide, passara a açular os colonos contra aquela autoridade.

O desentendimento entre o Coronel Albino e o padre Wiedmann durava desde cerca de dois anos atrás, quando o segundo, nomeado pelo primeiro para a função de cura dos colonos católicos, se negara a prestar o juramento regulamentar de bem servir, alegando não ser empregado da colônia e sim da província com categoria igual à do diretor.

Depois, foi o convite do diretor da colônia para que o padre Wiedmann devolvesse o título de nomeação para cura, visto que tal função fora trocada pela de capelão de colonos, que agravara a situação.

E, finalmente, foi a intimação do vigário José Antônio de Melo, em visível entendimento com o diretor da colônia, para que o teimoso padre Wiedmann suspendesse diversas práticas contrárias às normas da paróquia, que fizera explodir a indignação do capelão.

Entre o que, com mais insistência, fora recomendado ao padre Wiedmann, estava a suspensão da coleta que vinha ele realizando no fim das missas.

O sacerdote alemão, entretanto, fizera ouvidos moucos às recomendações recebidas e continuava a agir como muito bem entendia, prosseguindo, inclusive, na realização da coleta proibida.

A esse tempo, diga-se de passagem, os colonos, não só estavam solidários com o seu capelão, como não escondiam mais a indignação de que se achavam possuídos contra o diretor da colônia, manifestada, aliás, pública e pessoalmente, ao próprio diretor, ao vigário, ao bispo, ao presidente da província e ao Imperador.

Foi a 26 de março do já referido ano de 1856, um domingo, que o Cel. Albino, fazendo valer sua autoridade, compareceu à igreja que se achava superlotada acompanhado de dois policiais e suspendeu a coleta que os colonos João Dupré e João Loos haviam iniciado. Como o primeiro se houvesse insurgido contra a medida, o diretor, ato-contínuo, mandou detê-lo.

A multidão, no entanto, saindo da igreja que era a matriz provisória da rua da Imperatriz, permaneceu, de início, estupefata em frente ao templo para logo se enfurecer e investir contra os policiais, desarmando-os e libertando Dupré. A seguir, tocou a vez ao Cel. Albino de ajustar contas com os colonos. Encurralado em um canto, foi êle insultado e ameaçado pelos homens, sendo-lhe respeitada, contudo, a integridade física.

Mas as mulheres, as nossas doces e suaves antepassadas de 1856, não se conformaram com a “moleza” de seus pais, irmãos e maridos, e investiram, imediatamente, contra o diretor da colônia, empurrando-o, rasgando-lhe as roupas e dando-lhe beliscões. E teria sido jogado dentro do rio, não fora a providencial intervenção de João Meyer e alguns outros poucos colonos que, a muito custo, conseguiram salvá-lo e abrigando-o na sacristia.

Pobre cel. Albino! Tanta energia e valentia para acabar apanhando de mulher ...

Mas o exemplo de vigor e decisão da mulher petropolitana de 1856 passou à história. Que o aproveite a atual geração: há por aí tanta coisa que os homens não têm querido ou podido realizar ...

À noite, após a borrasca matutina, resolveu, então, o Coronel Albino tomar enérgicas providências contra a insubordinação dos colonos. Inicialmente, determinou que cinco policiais fossem à Mosela prender, de novo, João Dupré, mas a casa deste fora, precavidamente, guardada pelos colonos do quarteirão, de maneira que as autoridades voltaram de mãos abanando. Reforçado o contingente policial, dirigiu-se ele ao local, mas aí nem logrou penetrar no quarteirão, que, como os demais, estava sob severa vigilância dos colonos.

Em face da atitude dos alemães, o Cel. Albino mandou mobilizar todas as fôrças disponíveis para a reação. Convocou, inicialmente, a fôrça imperial estacionada em Petrópolis; solicitou, a seguir, a remessa da fôrça militar do moinho de pólvora; pediu, também, a vinda da Guarda Nacional da Estrela; armou, ainda, os paisanos não alemães da própria localidade; e chamou por fim, os escravos das fazendas vizinhas.

No dia seguinte, assim preparado, ordenou o diretor da colônia que fossem efetuadas, entre outras, as prisões dos dez censores da igreja.

Sabedores de tais resoluções, os alemães de todos os quarteirões acorreram ao centro da colônia, dispostos a tudo. Ao meio-dia, Petrópolis estava repleta, mantendo-se calmos, porém, os colonos. Uma comissão é constituída para solicitar ao diretor o relaxamento das ordens de prisão, pedido que é, peremptoriamente, negado.

Às 2 horas da tarde, quando ainda era de calma a situação, a prisão do colono Wagner, determinada pelo diretor, foi o estopim que fez explodir a indignação popular. Não se registraram mortes, mas que o sangue correu, correu. E houve muita prisão. Somente às 6 horas os colonos concordaram em retornar aos quarteirões, atendendo aos apelos, inclusive do padre Wiedmann, que lhes eram feitos. Voltou, então, a calma ao centro da povoação.

Por força de tais acontecimentos, achavam-se em Petrópolis, a 28 de março de 1856, além do Imperador, o presidente da Província, Luiz Antonio Barbosa, e o chefe de polícia José Ricardo Sá Rego. O Imperador ordenou a libertação dos colonos presos, enquanto que o presidente da Província determinava a abertura de inquérito para apuração das responsabilidades.

Entrementes, fora aceito o pedido de demissão do Cel. Albino e o bispo mandara que o padre Wiedmann se afastasse de Petrópolis, o que acabou por desanuviar o ambiente.

O novo diretor da colônia, dr. José Maria Jacinto Rebelo, distinta personalidade da Corte, não teve, assim, grande dificuldade para normalizar a vida da população.

Os acontecimentos de 26 e 27 de março de 1856, conhecidos por “Motim dos Colonos”, passaram, no entanto, à história, reveladores que foram eles do espírito forte e da determinação de alguns dos nossos antepassados.

Quanto ao Cel. Alexandre Manuel Albino de Carvalho, cidadão digno e excelente administrador, nada mais registra a história local, após sua saída da nossa cidade. Mas, do padre dr. Theodoro Wiedmann, houve o livro “A Colônia Alemã em Petrópolis”, editado pelo antigo capelão dos colonos alemães católicos, pelo qual extravasou ele toda sua bílis contra o Brasil".

(O caráter petropolitano - Gabriel Kopke Fróes - IHP)

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