O QUARTEIRÃO MOSELA ATRAVÉS DOS TEMPOS
(Paulo Roberto Martins de Oliveira - Instituto Histórico de Petrópolis)
A maioria dos colonos germânicos que habitavam o quarteirão (Mosela) possuía grandes conhecimentos profissionais: Eram carpinteiros, carvoeiros, ferreiros, pedreiros, e outros hábeis artífices que sempre encontraram muito o que fazer, tanto na Vila Imperial, quanto no seu próprio terreno e arredores, onde plantavam e tinham criações, dando serviço à sua própria família.
No cultivo das hortas e dos pomares, colhiam variedades de hortaliças e frutos.
Com a criação de suínos produziam, além da carne e outros produtos, a tão apreciada “Leber Blutwurst” (lingüiça de fígado e sangue). Das vacas, cujo o leite, abastecia a cidade, também produziam, em grande escala, o queijo branco (conhecido como queijo de minas).
O Mosela era e ainda é um dos quarteirões mais participativo quanto à recreação dos seus moradores. Lá algumas sociedades recreativas, foram fundadas.
Em 1895, fundaram o Harmonie Moselthal e mais tarde o denominaram de Sociedade Recreativa Harmonia Brasileira. Instalou-se à Rua Mosela n.º 713, num terreno cujo prédio, foi construído para este fim e que pertencia ao Sr. Frederico Burger. Mediante aluguel, o Harmonie funcionou até fins do ano de 1907, cedendo lugar para a Sociedade Boa Esperança. Porém esta não prosperou e encerrou suas atividades. Em definitivo e adquirindo o prédio, o Harmonie voltou para o seu antigo endereço e embora com algumas dificuldades, sobrevive até aos dias de hoje.
Em 07/09/1928, um grupo de jovens fundou o Esporte Clube Vera Cruz e em 1954 adquiriu uma grande área de terras próximo à localidade do Moinho Preto. Em tempos difíceis, este clube esteve fora de atividades. Porém um grupo de sócios e saudosistas, João Guilherme Burger e Luiz Carlos Holderbaun, liderados pelo Sr. Augusto José Kreischer e com o apoio de um dos sócios fundadores, o Sr. Pedro José Kling, fez com que o clube voltasse aos seus tempos áureos e hoje, com um belíssimo campo de futebol e outras benfeitorias, vem plenamente atendendo aos sócios com torneios futebolísticos e outras atrações.
Em 1929, em homenagem ao falecido Sr. Roberto Burger, foi fundada à Rua Mosela a Sociedade Desportiva Luzeiro, cujas atividades foram encerradas à alguns anos passados.
Em 16/03/1997, por gentileza do Frei Vitalino Turcato - Presidente do Conselho das Pastorais das Obras Sociais São Judas Tadeu, o Clube 29 de Junho (fundado em 29 de junho de 1959), instalou-se numa das salas, localizada sob o piso da Igreja de São Judas Tadeu.
Do Quarteirão Mosela, temos muitas lendas e histórias para serem contadas. Dotados de muitas lembranças dos velhos tempos, os descendentes dos colonos e outros antigos moradores do quarteirão estão sempre dispostos a nos oferecer depoimentos preciosos sobre a vida, hábitos e costumes do povo moselense.
Entre tantos depoimentos, temos o da Sra. Isolda Keuper Klippel (viúva do saudoso Sr. Augusto Klippel).
Entre tantas recordações de Dona Isolda desde a sua infância, estão:
- "A casa de n.º 1659 da Rua Mosela onde mora com sua filha Eliane e que foi construída pelo seu avô Carlos Keuper, no terreno comprado dos descendentes do colono Johann George Tannein".
- "Aonde hoje é a Rua São Judas Tadeu, descia um riacho estreito e nele as pessoas que vinham da Fazenda Inglesa, davam água aos cavalos. Os mais pobres que geralmente vinham descalços, aproveitavam as águas do pequeno riacho para lavarem os pés".
- "Os Maiworm que vinham do Quarteirão Westfália, passavam pela atual Rua Bataillard e desciam a Rua Mosela com seus bodes velhos e carrocinhas transportando leite para o centro da cidade. Assim faziam os Licht e outros de outras famílias que também exploravam os negócios de leite, manteiga e queijos".
- "Do moinho do Sr. Felipe Kling, que ficava situado na Rua Mosela em frente ao início da atual Vila Valentin Monken, quando criança. Dona Isolda ia lá para comprar fubá grosso para a comida dos porcos e fubá fino para fazer broa. Lembra-se também que o Rio Paulo Barbosa passava por traz da casa e suas águas moviam as grandes pás do moinho".
- "Os Gehren, foram os pioneiros do transporte coletivo no Quarteirão Mosela e lembra-se que em 1926 a passagem custava apenas duzentos réis".
Das terras com as casas e benfeitorias dos colonos germânicos, são pouquíssimos os vestígios. Até o Rio Paulo Barbosa (o principal do quarteirão), em alguns trechos, sofreu modificações do seu leito original. O Rio Araújo Porto Alegre que passava pelas terras dos colonos Franz Blatt, Philipp Peter Molter, Johann Morsch e Peter Kronenberger, a alguns anos passados foi canalizado e desapareceu por completo.
Pela planta de Koeler, a Praça Trier, foi projetada entre as terras dos colonos Stefan Gehren e Christian Keuper. Porém a uns quatro anos passado a Prefeitura Municipal de Petrópolis a inaugurou em outro local e a Praça Wiesbaden que ficaria localizada no início da Rua Mosela, ficou apenas na planta de Koeler.
Ao longo destes 153 anos, desde a fundação da Imperial Colônia Germânica, o Quarteirão Mosela passou por muitas transformações e alterações ambientais. Primeiro pelo assentamento dos colonos nos seus prazos de terras e segundo, pelo o término da maioria das obras públicas e civis na Vila Imperial e arredores. Alguns colonos deixaram Petrópolis e foram para outros locais. A maioria ficou e teve que se adaptar à situações difíceis que ora se apresentava. Porém, com criatividade e determinação, conseguiram suplantar as dificuldades. Apenas houve algumas alterações em termos de profissões, pois muitos colonos, para conseguirem meios para a subsistência da família, passaram a dedicar-se ao ramo da carvoaria, embora já existissem profissionais nesta área, como pessoas da família Noel, que eram também colonos do Quarteirão Mosela e habitavam o prazo de terras n.º 847 (hoje números 455 a 557 da Rua Mosela).
Quanto aos emergentes carvoeiros, primeiramente, transformaram as madeiras dos seus terrenos em carvão vegetal e em seguida deram início a um grande desmatamento, atingindo até as matas mais distantes do quarteirão.
Devido às subdivisões e desmembramentos da maioria dos prazos de terras, em breve espaço de tempo, estes prazos transformaram-se em loteamentos e abriram-se muitas ruas, vilas e servidões. Muitos destes logradouros foram batizados com nomes que lembram a Colônia, os colonizadores ou seus descendentes.
No final do século XIX até meados deste, muitos moradores da Cidade do Rio de Janeiro, fugindo do excessivo calor do verão carioca (os veranistas), vinham para Petrópolis e adquiriam terras o mais próximo possível do centro da cidade. Porém, os de menos condições financeiras, chegavam até às principais ruas dos quarteirões e assim foi no Mosela. De posse dos seus lotes, derrubavam tudo para as novas construções. O resultado foi que pouco restou para lembrarmos do passado. Por exemplo: da casa do colono Philipp Peter Molter, ainda existe o alicerce de pedras. Porém, atualmente sustenta uma construção mais recente.
Embora o quarteirão tenha-se adaptado à vida moderna e com tanto progresso, ainda temos a oportunidade de vermos algumas construções do final do século passado. Ou seja, alguns chalés com os seus tradicionais telhados de zinco.
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A seguir, algumas tradições que ainda são conservadas pelos moselenses:
- Algumas famílias ainda mantém os fornos externos e os fogões a lenha em suas cozinhas, produzindo pães, cucas e biscoitos para o próprio consumo.
- Ainda encontramos algumas famílias que continuam cultivando as suas pequenas hortas, pomares e algum tipo de criação. Como exemplo temos uma das filhas do Sr. Roberto Carlos Kling que, com pequena criação de suínos, produz a lingüiça de fígado e sangue.
- Existe no quarteirão ainda algumas rezadeiras e benzedeiras que praticam rezas, crenças e simpatias.
- Quanto aos muitos grupos de danças folclóricas que existem atualmente na cidade, posso afirmar que muitos dos seus dançarinos residem no Mosela.
- Quanto à língua alemã, são poucos os que ainda falam ou dominam o idioma dos seus ancestrais.
- A montagem dos presépios de Natal ainda é praticada por inúmeras famílias. Porém merece destaque o presépio que a mais de 50 anos o Sr. João Carlos Burger vem montando em sua casa, ocupando todo o espaço da sala, varanda e com alguns detalhes no jardim.
Como em todo lugar, acontece lendas, fatos e curiosidades. O Quarteirão Mosela já foi protagonista de muitas histórias da Colônia. Em notas extraídas do Jornal “O Paraíba” (jornal que circulou na Colônia a partir do ano de 1857), temos alguns dados interessantes que aconteceram nos quarteirões e principalmente no Mosela entre o povo africano e o alemão.
Os negros que habitavam o Quilombo da Fazenda Inglesa, volta e meia, visitavam ilicitamente e geralmente à noite, as casas dos colonos para saciarem a fome e também para levar os apreciáveis produtos dos alemães: lingüiças, carnes suínas e outras iguarias da cozinha germânica. O mais importante é que nunca achei nenhum registro de hostilidades entre eles.
Houve até casos em que alguns colonos tenham dado cobertura para os que fugiam dos cativeiros. Primeiro porque os colonos germânicos não adotavam o trabalho escravo e segundo porque ficavam penalizados com a situação dos africanos.
Numa publicação do Jornal “O Paraíba” de domingo de 14/02/1858, constava que o colono Jacob Weitzel conservava em sua casa um negro fugido que outrora tinha dado um tiro de pistola num oficial de justiça.
Para o final desta matéria, reservo uma saudação especial e rendo homenagens ao Major Júlio Frederico Koeler (1º Diretor da Imperial Colônia) e a todos os pioneiros colonos germânicos, os quais grande parte do povo petropolitano descende. Eu, como um dos descendentes, sinto-me honrado e agradecido de escrever sobre o povo colonizador dos “Quarteirões de Petrópolis” e estar contribuindo para o resgate da nossa história.
Muito legal a matéria, saber sobre a origem do bairro onde morro desde que nasci, muito interessante mesmo, conheço algumas pessoas com sobrenomes de vários citados no texto, e imagino que não sabem de quanto seus descendentes foram importantes para o crescimento de nosso bairro. Parabéns!
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